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Empresários não pegam crédito por causa do clima de incerteza

Fonte: O Globo
03/06/2019
Gestão

A rede de moda feminina Enjoy, que conta com uma confecção e 34 lojas no Rio, Minas Gerais e Goiás, já tem pronto um plano de expansão. Julio Dashis, cofundador da empresa, diz que nunca viu condições tão favoráveis para fazer um empréstimo no banco, mas, mesmo assim, decidiu adiar o projeto. Espera sinais mais claros de que os negócios vão crescer para garantir o retorno dos investimentos. Enquanto isso, não quer saber de crédito. E ele não é o único.

Nem a inflação sob controle nem os juros no patamar mais baixo da história têm conseguido estimular empresários a levantar recursos para investir. Dados do Banco Central (BC) mostram que o estoque de dinheiro emprestado às empresas pelos bancos no país atingiu R$ 1,4 trilhão em abril, uma retração de 2,8% em relação a dezembro de 2018. O volume é o menor desde outubro do ano passado. Só entre março e abril, a queda foi de 1,1%.

Com a taxa básica de juros (Selic) em 6,5%, não é difícil ouvir de empresários que não houve nos últimos anos melhores condições para tomar crédito. Por outro lado, a desaceleração do consumo das famílias e o elevado nível de desemprego, além das dificuldades do governo de acelerar a agenda de reformas, vêm aumentando as incertezas sobre o desempenho da economia nacional, que amargou retração de 0,2% nos três primeiros meses deste ano.

Sem dívidas

Para economistas, o baixo apetite por crédito mostra que uma redução dos juros agora seria insuficiente para impulsionar a atividade. O problema está na falta de confiança no processo de recuperação da economia.

— Nunca na minha vida empresarial vi um cenário tão bom para pegar financiamento. O empresário não tem medo de pegar empréstimo. O medo é tomar dinheiro emprestado e não conseguir gerar negócios com ele. E é isso que está acontecendo. Há muita incerteza em torno do crescimento e do consumo futuro. Estamos nesse ambiente de esperar um crescimento desde 2014 — afirma Dashis, que abriu a Enjoy em 1996 e hoje emprega cerca de 500 pessoas.

Como desistiu da ampliação e tem recursos em caixa, o empresário decidiu não tomar crédito este ano:

— Vejo muitas empresas de varejo hoje cheias de dívidas e com dificuldade para honrar seus compromissos. Não é o meu caso.

Para Carlos Thadeu de Freitas, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), as incertezas só começarão a se dissipar com a aprovação das reformas e com sinais claros de melhora das contas públicas do país.

— O cenário não é de otimismo, pois o consumo não dá sinais de aquecimento. Por isso, os investimentos são postergados. Se a economia crescer em 2020, talvez possamos ver uma reação no segundo semestre a depender do cronograma de aprovações das reformas.

Na Holográfica Editora Eireli, que fica no Rio, o momento é de pé no chão. Um dos sócios, Ivo Daflon, conta que a compra de novos equipamentos foi adiada assim como o investimento em novas tecnologias de impressão. Por isso, em vez de tomar empréstimos, a empresa iniciou um processo de corte de custos.

— Vimos que os clientes estão empurrando os projetos mais para frente. Eu mesmo passei a me preocupar com o perfil dos meus clientes. Antes de fechar um contrato, fazemos pesquisa nos órgãos de crédito para saber se ele está inadimplente. Não adianta vender e depois não receber — explica Daflon.

Na defensiva

No setor de serviços, um dos que mais têm sofrido com o fraco desempenho da economia, o momento também é de cautela. Com 23 unidades no país, a rede de hamburguerias Black Beef passou a investir apenas com capital próprio.

— Talvez o nosso ritmo de ampliação fosse mais acelerado se a economia estivesse melhor. Com a aprovação das reformas, acreditamos que os investimentos serão destravados. Mas, hoje, temos uma visão mais conservadora. Preferimos usar capital próprio mesmo com o juro baixo — diz o presidente da empresa, Maurício Coutinho.

Para Mauricio Oreng, economista-chefe do Rabobank, de fato não há motivos para as empresas se endividarem no atual momento de incerteza. Por isso, avalia que um eventual corte nos juros pelo BC — pedido de alguns setores empresariais que ganhou força com o fraco desempenho da economia no primeiro trimestre — não afetaria a demanda das empresas por crédito para investir e contratar. Isso porque, além do custo da operação, a tomada de decisão também é baseada na expectativa de lucros futuros, já que são créditos de longo prazo.

— Estamos em uma recuperação muito lenta após uma forte recessão. O crédito é uma questão de demanda. Todo mundo está jogando na defensiva — resume Oreng.

Eduardo Nishio, analista do banco Brasil Plural, avalia que dificilmente os bancos atingirão o teto das estimativas de expansão das carteiras de empréstimo este ano em relação a 2018, de pouco mais de 10%:

— Se a reforma da Previdência for aprovada até agosto, que é o que prevemos, poderemos ter um segundo semestre bem mais animado. Mas, por enquanto, a previsão é de um crescimento baixo e fica mais difícil ampliar o crédito.

O cenário também segue desanimador quando se observam as operações no mercado de capitais, uma fonte de financiamento alternativa ao crédito bancário. A emissão de debêntures (títulos de crédito) somou R$ 29,1 bilhões de janeiro a abril, queda de 37% no ano, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Outras medidas

José Eduardo Laloni, vice-presidente da entidade, explica que as gestoras de recursos que compram os títulos das empresas aceitam prazos mais longos que os bancos, mas ainda assim falta apetite das companhias para assumir uma operação dessas em nome de um investimento que só dará retorno anos à frente:

— A baixa atividade econômica está atrapalhando. Há recursos, mas falta tomador. Não vamos ter um primeiro semestre do jeito que imaginamos, mesmo com as condições (financeiras) boas para as empresas. O custo de captação está baixo e os prazos chegam a cinco, sete anos, o que era impossível há dois ou três anos.

Para ele, o quadro só mudará com sinais claros de retomada. Para isso, além da Previdência, é preciso outras medidas do governo, como a desburocratização e a redução das incertezas em privatizações e concessões.

Quatro razões para o desânimo

- Recuperção lenta da economia: A economia brasileira voltou a encolher no primeiro trimestre. O recuo no PIB foi de 0,2%, após um período de fraco crescimento — a economia cresceu só 1,1% em 2017 e em 2018. Com isso, o PIB está no mesmo patamar de 2012 e 5,3% abaixo do pico da atividade, registrado no primeiro trimestre de 2014.

- Desemprego e baixo consumo das famílias: A taxa de desemprego ficou em 12,5% em abril, com 13,2 milhões de desempregados. O consumo das famílias avançou 0,3% no primeiro trimestre e evitou uma queda maior do PIB, mas está perdendo fôlego. No quarto trimestre de 2018, havia crescido 0,5%. No terceiro trimestre, a alta fora de 0,6%.

- Aumento das incertezas: O Índice de Confiança Empresarial (FGV) recuou em maio para o menor nível desde outubro de 2018, antes do resultado eleitoral no Brasil. Outro indicador da FGV, o Índice de Incerteza da Economia, que, como o nome diz, mede as incertezas, caiu ao patamar de setembro.

- Empresas já endividadas: Dados do Banco Central apontam que, entre as empresas, o volume de empréstimos em atraso subiu de 2,5% do saldo total em março para 2,6% em abril. Ou seja, R$ 37,02 bilhões em linhas de financiamento estão atualmente com atraso superior a 90 dias. No ano, a alta é de 0,2 %.