A Black Friday mais morna do que se antecipava e o susto do mercado na semana passada, com a insegurança causada pela ômicron, nova variante do coronavírus, apontam para um fim de ano pior do que o esperado.
Com inflação alta e renda baixa, a tendência é que o consumidor repita no Natal o comportamento que teve na última sexta-feira, priorizando compras de primeira necessidade e menor valor, deixando de lado os bens duráveis.
Economistas ouvidos pela Folha também não descartam novas revisões para baixo do PIB (Produto Interno Bruto) do último trimestre e de 2021.
"Foi uma Black Friday mais fraca, em termos de volume de vendas. A gente esperava um aumento de 10% na circulação e se observou um aumento de 5%. O faturamento maior se deveu à alta de preços, diante da inflação e da desvalorização do real", diz Fabio Bentes, economista sênior da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo).
Segundo Bentes, a inflação deste ano tornou mais difícil para o comércio emplacar descontos mais fortes para os consumidores. A CNC aponta que, no ano passado, 46% dos produtos mais buscados na Black Friday tinham potencial alto de desconto. Neste ano, apenas 26%.
"Como a Black Friday é um termômetro para o Natal, a tendência é que o fim de ano seja de faturamento recorde, mas com volume de vendas menor ou no máximo igual ao do ano passado. Há poucos meses, a projeção era de crescimento."
O fim de 2021 já vinha sendo pior mesmo antes da Black Friday, resume o economista João Leal, da Rio Bravo. Com o desempenho de comércio, indústria e serviços ainda fracos desde o terceiro trimestre, os resultados recentes das vendas só mostram a redução do potencial de consumo.
"O que a gente vê é uma piora vindo do exterior, uma situação difícil da cadeia de suprimentos, uma alta de alimentos em 12 meses também é relevante e um esgotamento da demanda de serviços após a reabertura", diz Leal.
Ele pondera que, embora os efeitos na economia da nova variante do coronavírus ainda sejam difíceis de se dimensionar, o cenário-base hoje não é de medidas tão rigorosas quanto as do ano passado. Mesmo que as notícias causem impacto no mercado, parece algo ainda temporário.
"Para 2022, estamos prevendo uma retração do PIB de 0,2%. Mas se a Black Friday confirmar vendas mais fracas também no Natal, pode ser que o quatro trimestre de 2021 seja pior do que se esperava e este ano também. O viés é para baixo em 2021 e 2022."
"A perda de fôlego na economia vem acontecendo, tanto a demanda quanto a produção de bens estão recuando nos últimos meses. Olhando para o exterior, a desaceleração deve causar impacto nos preços das commodities, como o do minério de ferro; no Brasil, a alta de juros vai impactar o comércio nos próximos trimestres", diz Luka Barbosa, economista do Itaú Unibanco.
Um pouco desse efeito nos juros vai se dar no final deste ano, mas a maior parte virá no ano que vem. O cenário do banco para este ano e o quarto trimestre já considera essas dificuldades: eles preveem 4,7% de crescimento para 2021, com 0% no terceiro trimestre e 0% no quarto trimestre.
Sobre a nova variante, Barbosa avalia que, apesar de ser preocupante, há um certo aprendizado no mundo sobre como lidar com a existência do vírus. Na primeira onda, fechou-se tudo; na segunda e na terceira, as medidas já foram mais brandas.
Os indicadores de confiança de novembro também estão negativos e o consumidor se mostra preocupado com o cenário de maior inflação e alta de juros, diz o economista-chefe da MB Associados Sergio Vale.
MAIS LEMBRANCINHAS
"Há uma percepção de que Natal e Black Friday devem se resumir a produtos mais baratos, que caibam no orçamento da população. Vão ser itens de menor valor agregado, sem tantos eletrônicos ou produtos sofisticados."
Vale ressalta que a economia continua sendo muito afetada pela inflação e começa a ficar claro para o cenário mais difícil que se espera para 2022. "O consumidor está com medo de entrar em dívidas pesadas para o ano que vem."
Ele pondera que, embora as notícias sobre aumento de casos de Covid-19 no exterior sejam preocupantes, no Brasil, a adesão à vacina e a queda de óbitos dão algum alívio.
Na última sexta-feira (26), o mercado reagiu com pessimismo às notícias da nova variante ômicron. As ações de empresas mais afetadas por eventuais medidas de restrição de circulação, como as companhias aéreas e de turismo, terminaram o pregão em baixa.
SERVIÇOS E TURISMO
Para Bentes, da CNC, a nova variante atrapalha o setor de serviços, que contava com a reabertura para recuperar as perdas do ano passado. "O consumidor pode repensar atividades turísticas, que têm uma alta temporada agora. Mesmo para o turismo doméstico, as pessoas podem ficar mais seguras."
De acordo com a Abav (Associação Brasileira dos Agentes de Viagem), ainda não é possível mensurar a extensão do impacto para os turistas brasileiros. "O que podemos afirmar é que estamos atentos ao cenário, e nossas agências de viagens, aptas a orientar os consumidores."
Segundo a CVC, o período de dezembro marca o início da abertura da temporada de verão no Brasil e, com o avanço da vacinação, atualmente 90% dos embarques dos clientes do grupo são de viagens domésticas, em linha com a preferência histórica dos consumidores nesta época do ano.
Já a Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas) acompanha com atenção os possíveis desdobramentos da nova variante do coronavírus e informa que aguarda mais informações para poder avaliar os impactos no setor.