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Brasileiros já resgataram R$ 900 mil esquecido nos bancos

Fonte: O Globo
26/01/2022
Geral

Em menos de 24 horas no ar, o Sistema de Valores a Receber (SVR) do Banco Central (BC) possibilitou 8,5 mil solicitações de devolução de dinheiro 'esquecido' nos bancos, no total de R$ 900 mil. Os recursos serão transferidos via Pix em até 12 dias úteis.

Esse valor foi resgatado mesmo com o site do BC fora do ar durante toda essa terça-feira por conta do número de acessos que surpreendeu a autoridade monetária.  Segundo o BC, o sistema deve retornar "o mais rápido possível".

“Essas demandas representam um pequeno primeiro passo frente ao potencial de R$ 3,9 bilhões e 28 milhões de CPF e CNPJ nessa primeira fase. O BC está trabalhando para retomar o SVR o mais rapidamente possível para que esse valor possa ser transferido para os cidadãos”, disse em nota. 

Site suspenso temporariamente

Em nota, o BC disse que suspendeu temporariamente o acesso ao sistema para estabilizar o sistema e as páginas do Banco Central, do Registrato e do site "Minha Vida Financeira".

No total, o Banco Central estima que R$ 8 bilhões estarão disponíveis dessa forma, mas nesta primeira fase são R$ 3,9 bilhões para 28 milhões de pessoas ou empresas. Segundo o BC, 79 mil pessoas conseguiram consultar o SVR desde segunda-feira.

Infraestrutura insuficiente para a demanda pode ter sido causa

Rafael Umann, CEO da Azion, empresa que provê serviços de infraestrutura em tecnologia, ressalta que dois fatores podem ter feito o site sair do ar.

O primeiro é a falta de infraestrutura para suportar o volume de acessos. O segundo seria uma questão na programação do sistema.

Umann explica que se for o primeiro caso, o problema poderia ser resolvido em poucas horas com o aumento de capacidade dos servidores. Já se o sistema precisar ser reescrito por programadores, poderia levar alguns dias para retornar.

Umann acredita que, ao longo do tempo, o “efeito surpresa” da novidade deve ir dispersando e, por consequência, a demanda por mais capacidade de banda deve diminuir. Segundo ele, o episódio se assemelha a uma Black Friday, quando os sites de varejistas precisam se preparar para um grande volume de acessos.

— São 10, 20, 30 vezes mais acessos do que um dia a dia comum e uma forma que essa empresa fazem para absorver é utilizando plataformas de computação distribuída, “edge computing” ou computação elástica, “cloud computing”. Essas plataformas absorvem esse impacto do volume de acesso — disse.

Bruno Giordano, Chief Information Security Officer (CISO) da Ativy Digital, explica que a sobrecarga de acessos é como se muitos clientes entrassem em uma loja ao mesmo tempo e os atendentes não conseguissem falar com todo mundo.

— Imagina que você tem um balcão de atendimento em uma sorveteria, você tem um funcionário seu trabalhando e ele consegue atender no máximo três pessoas. Se de uma hora pra outra entram 1 mil pessoas, ele não vai conseguir atender todas ao mesmo tempo — disse.

Giordano explica que talvez tenha faltado fazer um teste de estresse mais intenso do sistema. Esse teste serve para verificar o limite de processamento de aplicações.

Daniel Arruda, sócio da Ismac, plataforma de cibersegurança para empresas, também vê diferentes possibilidades:

— O site não suportou o excesso de demanda. Isso pode ter ocorrido em razão do número de servidores disponíveis para o site não ter dado conta do volume de tráfego ou pela falta de um sistema que permita abrir novos servidores e escalar os acessos em caso de aumento de demanda. Mesmo o link de conexão pode ter ficado aquém do necessário para esse tamanho de tráfego.

Ainda que o Banco Central possa não ter dimensionado a quantidade de servidores para suportar uma carga de acesso tão grande, destaca ele, o problema pode estar ligado ainda ao tipo de dado processado pelo site:

—  O BC lida com dados sensíveis. Então, a infraestrutura tem de ter segurança adequada, não pode utilizar servidores públicos. É um problema simples de solucionar, mas a solução tem de preservar a segurança dos dados e passar pela burocracia de um órgão ligado ao governo.

'Com muita sede ao pote'

O anúncio de haver R$ 8 bilhões em valores "esquecidos" em contas bancárias e outras fontes que devem ser retornados ao consumidor e a empresas impressiona, diz Andrew Frank Storfer, diretor executivo da Anefac, sobre tudo num momento de inflação alta e emprego e renda em baixa.

—  Todo mundo está precisando (de dinheiro). Quando a população enxerga a possibilidade de conseguir dinheiro em algum lugar, ela vai com muita sede ao pote. Todo início de ano é mais difícil. Neste início de ano, tem sorte quem ainda tem um carro e vai pagar IPVA, por exemplo — diz o executivo.

O desafio ao bolso do consumidor nos primeiros meses de 2022, continua ele, é maior que de hábito, porque o país vem "andando de lado" ao menos desde 2015.

—  São dois anos de pandemia, com desemprego muito alto e renda média menor porque os salários, de modo geral, também foram reduzidos em meio a uma oferta de mão de obra maior do que de vagas. As pessoas usam o que têm a receber para pagar dívidas. O crédito está difícil; o juro, subindo. O juro (alto) aleija, mas a falta de dinheiro mata —  sublinha ele.

Ainda que o valor a que grande parte dos que tem direito a uma fração desses R$ 8 bilhões seja reduzido —  às vezes a centavos ou a poucos reais —  o executivo frisa que "não é esmola, mas direito do cidadão e das empresas":

—  É uma decisão interessante do Banco Central ter facilitado o acesso do cidadão a esses valores. É dinheiro que fica lá, não é corrigido, mas os bancos utilizam.

Consultas

Qualquer pessoa pode consultar se tem algum dinheiro a receber 'esquecido' em contas-corrente e poupança encerradas, cotas de capital e rateio de sobra de cooperativas de crédito, recursos de consórcios e tarifas, parcelas ou obrigações relativas a operações de crédito, como empréstimos e financiamentos cobradas indevidamente.

Nesse último caso, somente os recursos de instituições que assinaram um termo de compromisso com o Banco Central estarão disponíveis.

Ainda neste ano, o Banco Central ainda pretende incluir os recursos de tarifas e parcelas relativas a operações de crédito mesmo que não haja um termo de compromisso assinado pela instituição financeira com o BC.

Saldos de contas de pagamento, sejam pré-pagas ou pós-pagas, também entrarão.

Além disso, a previsão é de que contas encerradas em corretoras ou distribuidoras de títulos mobiliários também possam ter seu saldo resgatado por meio do sistema. Com isso os R$ 4,1 bilhões restantes poderiam ser consultados.