Flexibilidade, em termos de horário e de home office, e apoio à saúde mental dos funcionários não são uma realidade para a maioria das empresas brasileiras, segundo uma nova pesquisa da Deloitte, obtida com exclusividade pelo Valor.
A despeito da ascensão da agenda ESG e da ampliação do trabalho remoto, somente 46% das organizações estão oferecendo, pós-impacto da pandemia, práticas flexíveis de trabalho. “Executivos, acionistas e empresários mais tradicionais ainda acreditam que o processo de confiança precisa ser construído em uma relação presencial”, afirma Davi Ernani, diretor da área de consultoria da Deloitte.
Com abrangência nacional, o levantamento avaliou práticas de remuneração e de gestão de pessoas de 112 empresas, sendo 57% grandes corporações (faturamento acima de R$ 300 milhões), 30% de médio porte e 13% pequenas. Cerca de metade da amostra é do Sudeste, 37% do Nordeste, 17% do Sul e 2% do Centro-Oeste.
O maior entendimento sobre o que é esgotamento emocional no trabalho (burnout) e maiores números de funcionários com transtornos de ansiedade e depressão também não fizeram com que iniciativas de saúde mental fossem incorporados com amplitude.
Quarenta e dois por cento das empresas oferecem algum tipo de apoio emocional (psicólogo, assistência social ou app de meditação), uma parcela similar àquelas que veem a importância do trabalho flexível. “As grandes corporações, onde há nível de maturidade e preocupação um pouco maior com gestão de pessoas, incentivaram o trabalho flexível durante o isolamento e estenderam a prática, ofertando estrutura de apoio emocional. Mas, considerando uma parte significativa das grandes, e muitas companhias pequenas, médias e familiares, não houve a adoção dessas ferramentas”.
É importante atentar-se a esse fator, afirma o executivo, porque se as grandes empresas movimentam o PIB, as pequenas e médias respondem por uma parcela significativa de empregados. “Precisam evoluir do ponto de vista de gestão de pessoas”. Além disso, Ernani diz que há relatos de clientes da consultoria que estão perdendo talentos para outras localidades ou companhia que oferecem possibilidade de trabalho remoto.
A pesquisa entende trabalho flexível como o oferecimento de home office, do modelo híbrido ou de horário flexível. Das 46% que oferecem esse benefício, apenas 57% possuem modelo híbrido, 20%, horário flexível e 17%, home office. A concessão de algum desses tipos de flexibilidade também varia conforme o ramo de atuação. Dentre as empresas pesquisadas, aquelas dos segmentos de energia, recursos naturais e serviços são as que mais concedem o benefício.
Segundo a pesquisa, o formato híbrido é a modalidade de trabalho flexível mais comum para todos os níveis hierárquicos, atingindo em percentuais semelhantes de estagiários a presidentes.
O horário flexível, porém, é uma realidade maior para gerentes (32%) e diretores (27%) - esse percentual ficou em 18% para estagiários e em 20% para profissionais com cargos abaixo de coordenadores. A pesquisa avaliou 562 cargos nas 112 empresas da amostra.
Também foram analisados outros 17 benefícios ofertados no fim de 2021. Embora note-se, nas empresas, a existência de auxílio para creche de filhos de funcionários, para educação, idiomas e previdência complementar, os dados indicam que assistência médico hospitalar e os auxílios refeição e alimentação são os três mais oferecidos - por mais de 80% de empresas pesquisadas. “São os mesmos, portanto, de todos os anos anteriores”, diz Ernani.
Somente 12% das empresas oferecem os benefícios corporativos em um modelo flexível - permitindo que os funcionários realoquem o que desejam usar no formato e frequência que consideram melhor. “As teorias modernas do RH dizem que é preciso ofertar uma cartela flexível, mas apenas 27% das empresas utilizam tecnologia na gestão de benefícios”.
Outro ponto que chama atenção é que as licenças paternidade e maternidade estendidas, para além do que é garantido na lei brasileira, são uma realidade em somente 38% das empresas analisadas. “O resto cumpre exatamente o que está na lei.”
Com relação à remuneração, o estudo indica que 27% dos cargos analisados tiveram um aumento real de salário em 2021, sendo que a área industrial foi a que teve a maior quantidade de cargos com aumento acima de 10%. Por outro lado, a maioria (73%) dos cargos apresentou manutenção ou redução salarial no período.
Os dados desta edição da pesquisa foram colhidos em outubro de 2021. Ernani defende que os resultados podem ser analisadas sob a ótica atual, porque naquele momento, pré ômicron, as empresas se preparavam para retornar ao escritório, colocando em prática modelos híbridos de trabalho ou não, e já havia o entendimento de quais práticas de gestão de pessoas foram de fato incorporadas após um ano e meio de pandemia.