O número de processos que questionam contratos de trabalho intermitente cresceu 49,5%, em um ano. O volume de ações sobre o assunto na Justiça do Trabalho passou de 11.270, em 2020, para 16.852, em 2021. Somente neste ano, até 15 de setembro, 12.735 contestações chegaram aos Tribunais do país. Os dados são da empresa Data Lawyer, que contabilizou os 40.857 casos levados no Judiciário. Os valores das causas somam R$ 6,24 bilhões, o que representa um pedido médio de R$ 152.669 por ação.
Para especialistas em Direito do Trabalho, a maior parte das ações pede a anulação dos contratos por considerar que o trabalho era contínuo, e não intermitente.
Segundo advogados, os Tribunais vêm anulando contratos intermitentes por considerarem ausentes os requisitos estabelecidos via reforma trabalhista, de 2017. De acordo com a lei, o modelo se aplica a trabalhos esporádicos, com alternância de períodos de prestação de serviço e de inatividade. É diferente, portanto de outras modalidades, como contratos convencional, temporário e por tempo parcial.
No sistema intermitente, o trabalhador recebe apenas pelo período em que trabalhou, após ser convocado. Em contrapartida, são pagos — de forma proporcional — as férias, o 13º salário e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Contudo, os juízes vêm entendendo que, em alguns casos, não se trata de um contrato intermitente, mas de um vínculo de trabalho normal, o que exigiria o pagamento integral das verbas rescisórias.
Em um dos casos, uma decisão da 4ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina (TRT-SC) anulou o contrato entre uma empresa de serviços terceirizados e uma merendeira escolar, que trabalhou todos os dias do período letivo. O desembargador relator do caso, Garibaldi Ferreira, concluiu que o trabalho da merendeira contrariava a alternância de períodos exigida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), não havendo imprevisibilidade.
— Pela convocação e pelo período de prestação dos serviços, os Tribunais verificaram que o modelo foi desvirtuado pela continuidade em datas e períodos específicos, sem intermitência — explica Bruno Minoru Okajima, sócio do escritório Autuori Burmann.
Rodrigo Giostri, sócio trabalhista do escritório Sfera Law, completa:
— Em geral, os trabalhadores entram na Justiça pedindo a anulação do contrato intermitente e sua conversão em outro contrato. Normalmente, isso ocorre para que ele receba a diferença das verbas rescisórias após a demissão, como saldo de salário pelos dias trabalhados antes da rescisão, 13º salário proporcional, férias proporcionais e acrescidas de 1/3, FGTS e horas extras, entre outras. Ainda não é possível saber se as empresas estão confundindo as figuras de contratação por desconhecimento ou se é de propósito. Mas o fato é que os questionamentos estão crescendo no país.
Decisões são freio e alerta para empresas
Diante dos questionamentos na Justiça, especialistas apostam que as empresas passarão a ser mais cuidadosas ao efetuarem contratações, especialmente intermitentes, ou reduzirão esse tipo de contrato.
— Essas decisões podem fazer com que os empresários repensem esse tipo de contrato. Entretanto, é necessário por parte das empresas a observância quanto aos requisitos exigidos para a utilização do contrato intermitente, uma vez que todas essas decisões demonstram o descumprimento desses preceitos no momento da contratação — diz Ana Carla Aznar Baía, sócia trabalhista do MLA-Miranda Lima Advogados.
Confusão entre os modelos
As principais diferenças entre os contratos parcial, intermitente e temporário são: duração da jornada de trabalho, forma de cálculo das horas extras de cada modalidade e possibilidade ou não de o profissional recusar uma convocação para trabalhar.
O modelo parcial, por exemplo, prevê a contratação de um empregado com jornada de trabalho de até 30 horas semanais, sem a possibilidade de realização de horas extras. Além disso, há a alternativa de uma jornada que não exceda 26 horas semanais, com a possibilidade de somar até seis horas extras semanais, com acréscimo de 50% sobre o salário-hora normal.
— O trabalho intermitente ocorre com interrupções, seja de horas, dias ou meses. Neste período de inatividade, o trabalhador pode prestar serviços para outros empregadores. Mas as recentes decisões judiciais têm anulado os contratos de trabalho intermitente exatamente com a fundamentação de que não foi comprovada a alternância de períodos de prestação de serviços ou a não continuidade do trabalho — avalia Jorge Matsumoto, sócio trabalhista do Bichara Advogados.
A especialista Ana Carla Aznar Baía observa ainda que boa parte dos processos que pedem a anulação dos contratos justifica as ações pela falta de assinatura das partes envolvidas. Além disso, há uma confusão entre os tipos de contrato de trabalho.
— Um dos processos, por exemplo, tratava da contratação de um vendedor por uma empresa do ramo do varejo. Ele foi contratado para atuar durante todo o mês de dezembro, em razão do aumento das vendas de fim de ano. Mas a lei prevê que esse tipo de contratação deve ser feito pelo modelo temporário. Agora, contratar esse mesmo vendedor para atuar de forma esporádica, em alguns dias de dezembro, em razão de alguma promoção, só é permitido se a empresa utilizar o contrato intermitente — explica a advogada Ana Carla.