Já faz um bom tempo que a tag #sextou se tornou uma das mais usadas pelos brasileiros nas redes sociais. Trata-se de uma expressão de comemoração pela proximidade do final de semana, em que as pessoas vão descansar e curtir a folga com a família e amigos. Mas, apesar da brincadeira ser nacional, esse é um sentimento universal. Tanto que empresas ao redor do mundo começaram a adotar o benefício flexível da short Friday, que consiste basicamente em encerrar o expediente mais cedo na sexta-feira, dedicando a folga a demandas pessoais, como ir ao médico, pegar um cinema, viajar antes do horário de pico ou simplesmente relaxar.
A iniciativa traz uma série de benefícios para as empresas. Além de maior engajamento, empresas ouvidas pelo Estadão afirmam que a produtividade também aumenta. Isso sem contar no índice Felicidade, que cresce consideravelmente no pré-folga. Apesar de a ideia ser a mesma, cada companhia tem uma estratégia diferente. Em alguns casos, é o funcionário que escolhe se vai trabalhar menos na sexta-feira ou qualquer outro dia da semana.
“Quando a gente fala para um candidato (a uma vaga) que tem essa jornada reduzida, os olhos brilham porque as pessoas entendem que vão poder gerenciar melhor a vida pessoal e o trabalho”, afirma a diretora de RH da Bristol Myers no Brasil, Jennifer Wending. Segundo ela, a empresa adota o benefício há 10 anos. Na sexta-feira, os colaboradores podem começar entre 7h e 9h30, de acordo com o que for mais conveniente para cada um, e encerrar o dia 4 horas após o horário de entrada.
As horas de descanso são compensadas de forma pulverizada ao longo do restante da semana. “Faz parte do nosso programa global de flexibilidade, que inclui pontes de feriado, o fechamento entre Natal e ano novo, o day off no mês do aniversário e a semana silenciosa (quiet week), em que ninguém agenda reuniões grandes.” Jennifer confirma que o benefício não só melhora a produtividade como também engaja as pessoas.
Para a executiva, a short Friday é a oportunidade de tirar o final de semana para realmente descansar, já que as horas de folga da sexta podem servir para antecipar um supermercado ou pegar a estrada mais cedo, por exemplo. E o papel das lideranças nessa história, segundo ela, é apoiar e incentivar que os colaboradores usem o benefício para o próprio bem-estar. “Não adianta oferecer e não deixar o funcionário à vontade para usufruir”, sublinha. “Já do lado do colaborador, tem de enxergar a flexibilidade com responsabilidade. Não é porque deu meio-dia que vou largar o lápis e deixar de entregar.”
A publicitária Lilian Torres, líder de comunicação da área de saúde do consumidor na Bayer do Brasil, que também adota a short friday, concorda. Segundo ela, para que o esquema funcione sem prejudicar a entrega profissional, é preciso ter planejamento e entender quais são as prioridades. No caso dela, as quatro horas de trabalho na sexta são usadas para planejar bem a semana seguinte e já deixar tudo alinhado. “Assim começo a semana sabendo as prioridades, não fazendo as coisas sob demanda. Isso dá tempo de qualidade para executar o job, mas também para parar e pensar em outras coisas, como o que vou querer assistir à noite ou fazer para o jantar”, exemplifica.
O líder de RH da Bayer Brasil e da divisão agrícola na América Latina, André Kraide, afirma que, com a chegada da pandemia, a empresa ampliou a questão da flexibilidade com a criação de uma política experimental chamada Bayflex, em que cada time define quantas vezes vai para o escritório e como vai funcionar a dinâmica em função das demandas das diferentes partes do negócio, de acordo com a época do ano.
“É muito importante estarmos juntos para criação e inovação, mas acho que a flexibilidade de ter mais tempo em casa, sem deslocamento, traz um benefício grande. Isso faz com que o dia seja mais produtivo e a sensação de estresse também diminui.” Na opinião dele, há uma relação direta entre produtividade e criatividade e um ambiente saudável e seguro do ponto de vista psicológico para se trabalhar. “A criatividade e a inovação têm um papel muito maior do que a quantidade de horas que se passa no escritório ou na frente do computador.”
Do outro lado, a funcionária Lilian Torres concorda que tempo de trabalho não significa produtividade. “Não tem separação entre a Lilian profissional e a pessoal. Se não houver equilíbrio, pratinhos vão cair. Tem de reconhecer que ficar para apagar a luz não é sinônimo de produtividade. Esse tipo de ideia não cabe mais no mundo corporativo.” Ela acrescenta que usa seu tempo livre para cuidar da saúde física e mental e ficar mais com a filha, de 5 anos.
Outras versões de short Friday
Outra empresa que aposta na flexibilidade para melhorar o engajamento e a produtividade dos funcionários é a Livelo, empresa de recompensas e pontos. A diretora de pessoas, planejamento e projetos, Danielle Lopes, diz que a ideia foi pensada de forma diferente, com a criação de duas ações para estimular uma jornada mais flexível de trabalho.
Todas as sextas, os funcionários podem aproveitar a Happy Friday para finalizar o expediente uma hora mais cedo; durante o verão, a empresa adota o programa Summer Dreams, que estimula as pessoas a saírem quatro horas mais cedo no último dia da semana, a cada quinze dias. “Queremos que nossos colaboradores desfrutem do momento mais incrível de suas carreiras por aqui”, explica a executiva.
Em tempos de baixa retenção de talentos e o fenômeno da grande debandada, em que funcionários pedem demissão de seus cargos sem ter outro emprego engatilhado, as empresas têm se desdobrado para conseguir incentivar suas equipes. Nesse cenário, flexibilidade parece ser a palavra do momento. “Ter um short day é um diferencial bem legal, principalmente para o pessoal de tecnologia”, diz a diretora de Marketing e de pessoas da DM (grupo de serviços financeiros), Sandra Castello.
A empresa adotou a jornada flexível há dois meses, mas com uma roupagem diferenciada. Segundo Sandra, os colaboradores podem escolher o dia em que farão meia jornada ou até distribuir as quatro horas pela semana, trabalhando uma hora a menos de terça a sexta-feira, por exemplo. A executivo conta que adotou o benefício após perceber, nas rodas de conversa com o próprio time, que a jornada reduzida era vista como um diferencial competitivo e de bem-estar.
Pessoalmente, ela afirma que não quis escolher um dia específico para poder adaptar o benefício de acordo com o que vai surgindo na agenda. “Às vezes saio na hora do almoço, pego meus filhos na escola e já vou para a casa da minha sogra na Serra da Cantareira”, exemplifica. “Em outras ocasiões, uso para fazer caminhada, marcar terapia, assistir a uma apresentação de violão do meu filho. Varia muito.”
Como existe essa flexibilidade maior para todos os colaboradores, ela conta que houve um cuidado especial na intranet da DM: a pessoa sinaliza com um selinho verde em que dia, período ou horário estará de folga. “Você entra e já sabe se pode ou não contar com a agenda dela. Aí os gerentes se organizam direto com os times.”
A diretora afirma que a reação positiva dos colaboradores à novidade foi imediata. Às sextas, dia que a maioria acaba escolhendo para usar o benefício, o termômetro de felicidade sobe disparado, além de o short day aparecer com frequência na mensuração eNPS (Employee Net Promoter Score), que avalia o quanto os próprios funcionários recomendam a empresa. “Os gestores também dizem que as pessoas estão se mostrando mais disponíveis nos outros dias, com um comprometimento maior”, comenta. “Vejo uma tendência forte à flexibilidade de horários. Pessoas mais felizes produzem mais.”