A escassez de vagas de trabalho na área de educação na fase inicial da pandemia levou Rafaela Azevedo de Jesus, 25, a abrir um negócio próprio em 2020.
Estudante de letras, a jovem montou à época um delivery de comida vegana no município baiano de Alagoinhas (a cerca de 120 km de Salvador).
Desde então, especializou-se no ramo, formalizou a empresa e passou a planejar a abertura de um restaurante em um espaço físico. O que era um "tapa-buraco" virou empreendedorismo, segundo a jovem.
"Quero viver do meu negócio", afirma Rafaela, que é vegana e sentia falta de opções de pratos para esse público na sua cidade.
Histórias como a de Rafaela encontram respaldo em estatísticas. No terceiro trimestre de 2022, o número de donas de negócios alcançou 10,3 milhões no Brasil. Trata-se do nível recorde de uma série histórica iniciada no terceiro trimestre de 2016.
A conclusão é do estudo Empreendedorismo Feminino no Brasil em 2022. A análise foi produzida pelo Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) por ocasião do Dia da Mulher, celebrado nesta quarta-feira (8).
O levantamento utiliza microdados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
O Sebrae considera como donas de negócios as mulheres que atuam como empregadoras ou que trabalham por conta própria com ou sem CNPJ.
Isso significa que o grupo envolve desde as empreendedoras que se planejam para ocupar um nicho de mercado até as profissionais que apostam em uma atividade em razão da falta de renda e da escassez de oportunidades.
Historicamente, é a necessidade que leva a maior parte das mulheres a abrir um negócio, segundo Renata Malheiros, coordenadora nacional de empreendedorismo feminino do Sebrae.
Ela afirma que muitas trabalhadoras seguem por esse caminho após a maternidade por não encontrarem no mercado vagas que permitam conciliar emprego e cuidado dos filhos.
Malheiros ressalta que as mulheres continuam sobrecarregadas por tarefas domésticas no país. O quadro, diz, também impede empreendedoras de dedicarem mais tempo aos seus negócios.
"As mulheres estão sobrecarregadas. Precisamos falar sobre a divisão dos trabalhos de cuidado, de creches, de políticas públicas", afirma a coordenadora.
Além do tempo apertado, o preconceito é outro obstáculo que as donas de negócios enfrentam no Brasil, conforme Malheiros.
"A raiz dos desafios adicionais da mulher é cultural. A gente precisa trabalhar pela mudança de cultura. Não é fácil, trivial, mas é possível", aponta.
Na visão da especialista, a melhora desse quadro passa pelo debate sobre o assunto e por ações concretas, incluindo a definição de políticas públicas.
A empreendedora social Aline Odara, 36, também considera que a necessidade e a falta de renda são os fatores que mais levam mulheres a apostarem em negócios próprios.
"A maioria é por necessidade. A gente percebe que faltam políticas públicas de inclusão produtiva no Brasil", avalia.
Durante a pandemia, Odara lançou o Fundo Agbara, uma iniciativa que capacita e investe em empreendedoras negras.
Desde setembro de 2020, mais de 2.000 mulheres já foram atendidas no país pelo projeto, cuja sede fica em São Paulo. Uma delas é Rafaela Azevedo de Jesus, citada no início desta reportagem.
De acordo com Odara, o fundo é mantido por uma rede de cerca de 200 doadores individuais e seis investidores institucionais, incluindo empresas e entidades. A iniciativa estuda novas formas de captação de recursos.
Na visão de Odara, uma combinação de fatores dificulta o empreendedorismo de mulheres negras. "O primeiro é o sentimento de solidão, de empreender sozinha. Conseguimos mitigar isso, porque o fundo criou uma rede de mulheres no Brasil", afirma.
"Outra questão é a falta de segurança emocional, porque, no nosso caso, além do machismo, o racismo conta muito. Também há falta de capital de giro. Não tem crédito para mulheres negras neste país", completa.
DONAS DE NEGÓCIOS PREDOMINAM NO SETOR DE SERVIÇOS
O Sebrae indica que, no terceiro trimestre de 2022, 53% das donas de negócios estavam inseridas no setor de serviços. Comércio (27%), indústria (13%) e agropecuária (7%) aparecem na sequência.
A reabertura do setor de serviços após as restrições da pandemia é um dos fatores que estimularam o crescimento do número de mulheres à frente de negócios, conforme Renata Malheiros, do Sebrae.
O estudo também lista as atividades com predomínio feminino. Nesses casos, as mulheres representam mais de 60% do total de donos de negócios.
Cabeleireiros e tratamento de beleza, comércio de vestuário (complementos) e serviços de catering, bufê e comida preparada são três destaques.
Comércio de produtos farmacêuticos, cosméticos e perfumaria, confecção sob medida, profissionais de saúde (exceto médicos e odontólogos), confecção (vestuário), outras atividades de serviços pessoais, outras atividades de ensino e fabricação de artefatos têxteis também são citados na lista feminina.
Os homens, por sua vez, compõem a maioria dos donos de negócios em atividades de construção de edifícios, transporte de passageiros, serviços especializados para construção, reparação de veículos automotores e transporte de carga.
Atividades de entrega, reparação de objetos domésticos, fabricação de produtos de metal, fabricação de móveis e serviços de TI (tecnologia da informação) também estão entre os ramos com predomínio masculino.
No terceiro trimestre de 2022, o número de homens donos de negócios no país foi estimado em 19,7 milhões, conforme o Sebrae. O nível também é recorde na série histórica iniciada no terceiro trimestre de 2016, diz a instituição.
Eles ainda representam a maior parcela dos donos de negócios: 65,6% do total. Elas, por sua vez, respondem por 34,4%.
O número total de donos de negócios foi estimado em cerca de 30 milhões no terceiro trimestre de 2022. É mais um recorde da série histórica, de acordo com o Sebrae.