Contabe - Contabilidade


Empresas contratam estrategistas para reduzir conta de luz

Fonte: O Globo
24/11/2021
Gestão

A escalada das tarifas de energia provocada pela maior crise hídrica dos últimos 91 anos está ampliando um mercado para as empresas do setor elétrico além do abastecimento e da venda de equipamentos.

Grandes companhias e start-ups estão criando áreas dedicadas à gestão do consumo de energia para ajudar outras empresas a amenizar o impacto da conta de luz nos custos.

O serviço é uma espécie de personal organizer energético, que envolve consultoria, aplicativos e sensores para encontrar formas de elevar a eficiência no uso da eletricidade e baixar a fatura.

Essa nova área de negócios tende a ganhar relevância nos próximos anos para consumidores empresariais de todos os portes, de padarias e oficinas a shoppings e grandes indústrias, já que as previsões indicam energia em alta até pelo menos 2025, a depender da recuperação dos reservatórios das hidrelétricas.

Com maior geração térmica, que é mais cara, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) prevê alta de até 21,04% só em 2022. Neste ano, a alta já chega a 19,13% na energia elétrica residencial. Em 12 meses (até outubro), acumula 30,27%.

As consultorias miram a perspectiva de crescimento do mercado livre de energia, que conta hoje só com cerca de dez mil companhias com o pré-requisito de demandar acima de 500 kW por mês, o que equivale a uma conta mensal superior a R$ 110 mil.

Não é só falta de chuva: Entenda em oito pontos como o Brasil está, de novo, à beira de um racionamento

A expectativa é que, com os debates em torno da modernização do setor elétrico que devem ocorrer em 2022, esse patamar mínimo de consumo seja reduzido e mais empresas possam aderir ao mercado livre, que permite contratar diretamente do gerador com tarifas mais baixas.

É possível comprar energia de uma única matriz renovável, como eólica ou solar, que têm custo mais baixo que a fornecida por distribuidoras locais no chamado mercado cativo, com tarifas fixas.

Segundo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), há um potencial de migração de 175 mil empresas que hoje são clientes de distribuidoras.

Solução personalizada

A AES, que atua em geração e distribuição, amplia o serviço de gestão de consumo como um dos pilares do seu crescimento no Brasil nos próximos anos, diz a presidente da empresa no Brasil, Clarissa Sadock.

A companhia criou o Energia+, um aplicativo que ajuda a gerenciar diversos aspectos do uso de eletricidade numa empresa. A plataforma já tem 364 contratos (ou pontos de medição) entre grandes indústrias, que podem contratar diretamente da AES no mercado livre.

 A AES planeja a ampliação de seus parques eólicos no Nordeste e a construção de uma unidade de geração solar em São Paulo para reforçar sua oferta dessas matrizes renováveis. A companhia quer agora alcançar empresas de médio porte de diferentes setores, como o varejo.

— Para cada cliente a gente desenvolve um produto individualizado, pois as necessidades são diferentes. Este ano, anunciamos um contrato com a Alcoa (produtora de alumínio) em dólar porque é uma empresa que tem receita atrelada a commodities. Agora, estamos vendo com eles se vamos atendê-los com energia hidráulica ou eólica — exemplifica Clarissa.

Ela continua:

— É entender como ele consome energia. É mais no freezer? No ar-condicionado? E com isso você vê a melhor forma de usar energia e a que horas. Se usa um gerador ou se entra na rede. E muitas vezes é possível fazer isso tudo pelo próprio aplicativo.

Mesma lógica vem norteando o Grupo Gera, que acabou de selar uma joint venture com a Raízen para ampliar a atuação na área de geração e comercialização de energia.

Ramon Oliveira e André Castro, sócios-diretores do Gera, dizem que a área de gestão de serviços já representa 15% do faturamento do grupo.

Para eles, a tendência é que as companhias contratem tanto a energia como os serviços de gestão da mesma empresa. Oliveira destaca que, neste ano, já são 20 mil unidades consumidoras com esse tipo de gestão, o dobro do ano passado.

Além disso, 40 mil já assinaram contrato só para ter a consultoria do Gera.

— Há soluções para cada cliente, como entrada no mercado livre, contratação de energia em geração distribuída e autoconsumo, com parques de geração dedicados (como os de placas fotovoltaicas). E, com isso, vem a gestão complementar para ajudar na redução do consumo. Toda essa crise hídrica e a alta da energia fizeram disparar a procura pela eficiência. É um caminho sem volta — diz o executivo.

Ainda falta informação

Com mais de 56 usinas solares em operação e em construção no Brasil, a Green Yellow também avança na área de serviços com o aumento dessa demanda.

Segundo Roberto Zerkowski, diretor-presidente da empresa, o número de clientes que usam soluções de eficiência subiu 40% neste ano, para 1.400 endereços como lojas, fábricas e galpões. Em 2022, a meta é crescer mais 50%.

A empresa firmou uma parceria global com a francesa Schneider para desenvolver novas soluções de eficiência energética.

— Criamos opções como a de vender energia para a rede em um momento em que seu consumo é baixo. Temos ainda opções para melhorar a performance dos equipamentos, com redução do consumo de energia — diz Zerkowski. — A demanda é grande, mas o custo para adotar essas medidas e buscar soluções é alto.

O desafio é ainda maior para as pequenas empresas. Talita Porto, vice-presidente do Conselho de Administração da CCEE, observa que a maioria não possui equipes especializadas em gestão de compra e venda de energia.

Ela estima que, por conta dessa falta de conhecimento, há quase 70 mil unidades consumidoras no Brasil que, pelas regras atuais, já poderiam migrar para o mercado livre e ter acesso a tarifas mais baratas.

— Um pequeno investidor não quer entrar diretamente na Bolsa de Valores porque não tem experiência na área financeira. Por isso ele contrata especialistas para ajudá-lo. No setor elétrico, é semelhante. Essas empresas precisam de apoio para fazer a melhor negociação, com o menor risco.

Consultorias e start-ups do setor buscam se tornar essa referência para as pequenas. A assistência fez diferença nas contas do microempreendedor Gustavo Alves, dono de um bar em Belo Horizonte.

Ele conseguiu redução de cerca de 20% na conta comprando energia de matriz solar diretamente da Oracle, da qual é cliente desde 2017.

Atenção à geladeira do bar

A consultoria incluiu a definição dos melhores horários para usar cada equipamento e a troca da iluminação do espaço com capacidade para 80 pessoas por lâmpadas LED.

— Em vez de ter duas geladeiras cheias pela metade, melhor ter uma só totalmente cheia e desligar a outra durante a semana, quando tiver movimento menor — diz Alves.

Na 2W Energia, que atua no gerenciamento de energia há 14 anos, houve salto de 25% nos contratos nos dez primeiros meses de 2021 em comparação com mesmo período de 2020. A consultoria passou a fazer o planejamento energético de 300 pequenas e médias empresas, cujas contas de luz vão de R$ 10 mil a R$ 100 mil.

Claudio Ribeiro, CEO da 2W, espera dobrar a clientela em 2022 com a energia em alta. A migração do mercado cativo para o livre, segundo ele, pode gerar economia de até 30% com energia em 15 anos.

— O preço da energia no mercado cativo está muito alto, e vai subir mais em 2022, por conta do gasto extra para trazer energia das térmicas. A reclamação principal é que não conseguem pagar uma tarifa tão cara — diz o executivo.

80% desperdiçam energia

Na Lead Energy, no setor desde 2020, a procura subiu 30% entre julho e outubro deste ano. À frente da empresa, Raphael Ruffato, conta que muitos clientes chegam “com a solução pronta”, mas se surpreendem com o diagnóstico que pode levar a alternativas customizadas.

A start-up ataca primeiro a redução do custo do fornecimento, com migração para o mercado livre e mudança de matriz energética.

Em seguida, vêm a estratégias de redução do consumo. Levantamento da Lead com 300 empreendimentos no país mostrou que 80% têm algum tipo de desperdício de energia.

Ar e refrigerador: os vilões

Sistemas de ar-condicionado e de refrigeração são os vilões da conta de luz nas empresas, representando 60% do consumo delas, em média, estima Ramon Oliveira, sócio-diretor do Grupo Gera.

Em segundo lugar está a iluminação, com 15%. O Gera tem sensores que permitem a automação desses equipamentos, ajudando a reduzir o uso em até 25%.

— Essa eficiência é fundamental. São soluções que vieram para ficar, ainda mais com a perspectiva de aumento na conta de luz. Além disso, há a preocupação com fontes renováveis e uso mais limpo da energia. Criamos uma ferramenta que calcula a intensidade solar no teto e analisa se é economicamente viável a instalação de placas e o tempo de retorno sobre o capital investido — diz Oliveira.

Entre as principais soluções da 2W está o marketplace próprio Wave, que permite a empresas ou pessoas físicas consorciadas a compra de energia renovável por geração distribuída, e o Agregga, que permite que condomínios entrem no mercado livre.

A empresa também mede o uso de energia parra gerar relatórios diários. Assim, é possível indicar ao cliente, por exemplo, que matrizes energéticas são mais eficientes em cada momento do dia.

Ivan Barcelos, presidente da empresa de implementos rodoviários Birk, de São Paulo, conseguiu migrar para o mercado livre em abril de 2021, quando fechou contrato de dez anos com a 2W Energia.

O gasto da fabricante de peças como para-lamas de caminhões caiu 20% com a compra de geração eólica na comparação com o que pagava à distribuidora.

No mercado cativo, a empresa parava as atividades no horário de pico, entre 18h e 22h, quando a composição das fontes faz a energia mais cara. Tinha que compensar com atividades no sábado. Agora trabalha sem interrupções somente cinco dias por semana.

Francisco Scroffa, presidente da Enel X no Brasil, observa que a eficiência energética é um diferencial competitivo para as empresas não só por uma questão de custo, mas também por ser um fator de sustentabilidade. Para alcançar os objetivos, informação é essencial.

Ele destaca a solução da empresa que monitora, em tempo real o consumo de energia de clientes. O número de medidores de consumo monitorados cresceu 57% entre janeiro de 2019 e novembro de 2021, diz ele:

— Acompanhamos de forma permanente a evolução do mercado, em busca de novas soluções que gerem valor para os clientes.